MAMA

Conto Francisco Piccirilo

Não adianta nada você ficar aí com essa cara de pamonha! Além de não resolver seu problema, complica ainda o meu.

Com essa advertência muito natural, Teresa Bonita, velha e indigente, moradora num casebre no bairro do Barro Preto, periferia de São Luiz, alguns quilômetros distantes do centro, chamava atenção de Mama, jovem inexperiente da vida, enganada por um moço aventureiro.

Mama, conforme era conhecida na intimidade familiar, após ter sido seduzida por Aluísio Silveira, viajante vendedor de artigos cosméticos, foi expulsa de seu lar, porque seu pai, homem da “linha dura”, sentiu-se ultrajado na honra de sua família, pelo procedimento leviano de sua filha de dezesseis anos.

Morando em cidade pequena, onde os passos e modos de cada pessoa são contados e medidos, além de comentados pela população muito senhora da honra, dignidade e pudor, Mama, depois de expulsa da casa paterna, só restava seguir um caminho, a vida mundana; ser mulher, sem marido, de todos os homens ávidos de mocinhas inexperientes. Mas sua idade e seu estado de gravidez, no momento, não permitiam essa solução e São Luis não dispunha de “Casa de tolerância”.

Vagando pelas ruas da pequena cidade, sem destino, sem experiência, sem nada; passando frio e fome, enjeitada por todas as famílias, Mama acabou desmaiando sob o teto da ponte ferroviária.

Eram quase cinco horas da tarde. Teresa Bonita, após ter feito seu trabalho diário, isto é, visitado as famílias para ganhar alguns cruzeiros, roupas e comida, ia regressando a choupana, quando deparou com a infeliz no chão.

Tendo ouvido comentários sobre a sorte da jovem infeliz, compadeceu-se dela, isso porque, quando mocinha e inexperiente da vida, tivera a mesma desventura.

Deixando sua muamba ao lado, tratou de acudir a menina e após fazê-la voltar a si, conduziu-a, com bastante dificuldade, para seu rancho. Lá, embora não tivesse o mesmo agasalho da casa paterna, tinha pelo menos um lugar onde repousar, alimentar-se e pensar no seu futuro.

Os dias correram, Mama, porém, não conseguia compreender sua sorte, nem mesmo cuidava em preparar-se para ser mãe e isso afligia em muito. Teresa Bonita vendo que é sua situação também se agravava, muitas famílias na cidade negavam-lhe serviços e auxílios, só porque estava amparando uma corrompida.

—Se continuar desse jeito, dentro de mais alguns dias não teremos o que comer. Auxílio não me dão e trabalhar, deixando você assim como está, não posso!

Teresa Bonita, com seus cinquenta e cinco anos mais ou menos, morava num casebre já alguns anos, doado por um sitiante, seu antigo admirador. Tinha esse nome porque, quando moça só era conhecida por Teresa, ocultando seu verdadeiro nome, pois descendia de família ilustre. Bonita realmente, passou a ser assim chamada. Na sua plenitude de mocidade e aventuras, o nome caia-lhe muito bem e orgulhava-se disso. Hoje, entretanto, o nome era-lhe verdadeiramente um contraste. Velha, feia, maltrapilha, indigente, mas conservava um pouco de bondade ou reconhecimento pela ignomínia social. Achava ela que Mama devia ser perdoada e agasalhada na casa de seus pais, uma vez que a sociedade, hipócrita, como era, responsável por essa tragédia, não quiz recebê-la.

Passado mais algumas semanas e aproximando-se a época em que Mama deveria ter a criança, Teresa Bonita, sempre agasalhando a jovem, começou a preocupar-se mais, pois não dispondo de recursos financeiros para atender as despesas com o parto da futura mãe e não desejando responsabilizar-se pelo que poderia acontecer, resolveu. Apelar para a própria família da pobre moça.

Com a decisão de Teresa, Mama não concordou, mas a velha, começando a se arrepender de ajudá-la, foi até a casa de Romão Pacheco.

Romão Pacheco e sua família sabia que Teresa Bonita estava dando agasalho a Mama, agasalho imundo e indigno do que poderia dar a ela, mas preferindo manter-se no orgulho de honestidade impediu a vinda da filha, mais do que isso, continuou negando o perdão que todo o cristão tem, mormente quando enganada. Romão, consciente de sua ilibada consciência não esperava que a velha indigente fosse até sua casa e exigir assistência material e paterna à moça. Assim, ao abrir a porta, com as batidas que ouvira, Romão, perplexo exclamou!

—Você aqui, sua… sua imunda!… Não foi só a exclamação. Romão tivera um ameaçam de vertigem e rodopiando pela sala, sentou-se numa cadeira. Filisbina, seu filho Raul e a menina Isabel, acorreram à sala ao ouvir as palavras do chefe.

Romão Pacheco não era homem rico, mas como oficial administrativo da Prefeitura, grosava de uma certa projeção no meio social e graças a isso, procurava mostrar sua integridade moral e dar exemplo de chefe de família.

Sem a menor preocupação com as palavras e ameaça de desmaio de Romão, Teresa Bonita entrou pela casa e acomodou-se numa cadeira sob a admiração de todos ali presentes. Até ela que foi muitas vezes auxiliada por aquela gente, depois de estar socorrendo Mama, havia sido abolida dos minguados favores que recebia. Romão punha-se à sua presença, mostrando à mulher e filhos, sua autoridade de chefe exemplar. Enquanto protestava contra a presença da maltrapilha em sua casa, Teresa aguardava uma oportunidade para explicar sua presença. Por fim falou.

—Todos os seus modos e protestos não me espantam e muito menos me interessam. Sua filha está em meu casebre às vésperas de ter criança. Você, como chefe exemplar que quer ser, mas não é, ao invés de expulsá-la, devia ter ido atrás do autor e fazê-lo casar-se. disse calmamente Teresa, sob a estupefação dos presentes.

Diante de uma ameaça cuja consequência iria ser funesta para Romão, Teresa Bonita continuou. Dou-lhe vinte e quatro horas de prazo para você recolher sua filha e cuidar dela, uma vez que a Sociedade não cuida e eu que vivo de mendigar, também não posso, concluiu a visitante.

Ditando essa ordem, a mendiga retirou-se calmamente, deixando atras de si uma familia outrora orgulhosa, agora bastante confusa. Romão, entretanto, sabia sobre o quê,

Teresa o ameaçou. Pensando bem, o crime já está consumado e todo o mundo aqui na cidade sabe disso, resta a nós irmos buscar nossa filha e cuidarmos dela e do futuro neto que há de vir, concluiu Romão, dirigindo-se a sua mulher.

Filisbina não se opunha, mas respeitando ordens do marido, a tudo concordava.

No fim do mesmo dia, Mama, com os olhos cheios de lágrimas, não sabendo se de alegria ou dores, adentrava novamente na casa que avia nascer, enquanto isso, Romão trazia apressadamente a parteira, que sem perda de tempo acudiu a jovem mãe. Dentro de algumas horas um choro de criança alegrava os membros daquele lar.

Limeira abril de 1967

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