O CABRITO FANTASMA

Conto Francisco Piccirilo

____Há pessoas que não acreditam em almas do outro mundo. Eu também não acreditava, e por diversas razões. Primeiro, porque nunca tinha visto e segundo, porque diziam que elas podiam aparecer sob diversas formas, inclusive de animais.

Quem dizia isso era Pedro, um homem já bem amadurecido pelos anos e trabalhos que desenvolvera no seu tempo de moço e homem já formado, morando numa pequena cidade do interior, onde havia diversas fábricas de fogos de artifícios.

Todas as pessoas que moram em pequenos lugarejos geralmente são presas fáceis de contos imaginativos, principalmente de assombrações, isso porque, o aparecimento de almas do outro mundo, não passam de pura imaginação e para aqueles que se julgam valentes e corajosos, um dia acabam-se embrenhando em acontecimentos lúgubres e passam depois a contar para as pessoas que acreditam ou não, contanto que o contador de história consiga encontrar um punhado de crentes. Segundo eles, o contar representa um desabafo remorso, isto é, estão pagando os pecados, porque não acreditaram nos acontecimentos às pessoas que viram.

Conforme Pedro contava, a pequena cidade que só tinha fábricas de fogos, de vez em quando ocorriam explosões e muitas pessoas morriam e outras ficavam aleijadas, porque perdiam braços, pernas ou mesmo ficavam queimados, cujas cicatrizes não desapareciam nunca. Eu mesmo trabalhei numa dessas fábricas e fui testemunha de vários casos.

Os crentes costumavam comentar que muitos que morriam eram pecadores, descrentes, goza- dores e faziam outras considerações sobre os mortos e eram justamente esses que morriam em estado pecaminoso, que vinham espantar ou atrapalhar a vida dos vivos. Outros acreditavam que as almas estavam penando e necessitavam de preces, missas e outros sacrifícios em favor delas. As almas dos bons, as vezes até ajudavam os vivos atrapalhados com sorte nos jogos de bichos ou loteria, enquanto as almas dos ruins, essas vinham atrapalhar mais ainda a vida da gente.

Foi isso que aconteceu a Pedro e ele passou a contar para as pessoas, como se estivesse pagando seus pecados e redimindo seus remorsos, por não ter acreditado em almas do outro mundo.

Estávamos eu, meu pai e mais dois irmãos, Victor e Manoel, caçando num mato distante uns sete quilômetros de casa; era um domingo, único dia que se podia descansar. A caça daquele dia não foi nada interessante e eu lamentava o dia perdido entre o mato dando tiros ao vento. Reconhecendo que não adiantava ficar mais tempo, resolvemos voltar, pois àquela hora já era meio tarde. O sol com sua claridade estava desaparecendo. Voltamos e ao chegarmos na altura da fábrica de fogos onde nós todos trabalhamos, (lugar onde morreram muitos operários devido as explosões de matérias inflamáveis), propus a meu pai e irmãos atravessarmos o terreno da mesma. A distância seria reduzida e com isso economizaríamos cerca de uns três quilômetros de chão.

Meu pai não quiz e muito menos meus irmãos concordaram com a proposta. Alegaram que o portão estava fechado, que teriam de trepar imitando malabaristas para poderem transpô-lo. Fui sozinho e garanti que muito cedo estaria em casa descansando.

Do ponto onde estávamos ao portão teria uns cento e cinquenta metros e do portão em casa mais uns cem metros. O portão ficava numa baixada, mas o terreno até em casa não era muito aclive. O pátio era todo gramado, no entanto, mal andei uns quarenta metros escutei o berro asfixiante de um cabrito. Minha mãe costumava levar o cabrito que tínhamos em casa para pastorear ne capim da fábrica e ao escutar o berro dele, julguei logo que ela o tivesse esquecido. Nem me lembrei que era domingo e nesse dia, a fábrica não funcionava, portanto, minha mãe não o teria levado.

Rapidamente me dirigi para o lado do ruido e para surpresa minha não vi animal algum; mas escutei em outro local, nada; escutei em outro ponto, e aconteceu a mesma coisa. Só escutava o berro e o animal mesmo não conseguia achá-lo. Comecei a ficar medroso, espantado e acreditar que aquilo deveria ser uma brincadeira de mau gosto ou uma assombração. A noite ia caindo e nada de encontrar o tal cabrito. O pior era que não conseguia compreender o caso, lembrar de que era domingo, que minha mãe nunca o levaria para pastar, mas o berro era tão angustiante que me atraia, mesmo não querendo. O suor do medo ou do cansaço me ocorria pela face, turvava meus olhos. Eu tirava o chapéu e com o lenço enxugava o suor e limpava o rosto e novamente de um lado para outro andava, corria, procurava o animal. O gemido do mesmo me atraía ou me arrastava para o eco. O lugar era solitário, longe das primeiras casas e mesmo que quisesse chamar por alguém, ninguém me atenderia. Meu pai e irmãos nessa hora já deviam estar em casa há muito tempo e deveriam estar preocupados mas ninguém, nem mesmo um “anjo da guarda” me aparecia para me ajudar e naquele vai e vem acabei ficando desesperado e furioso e quando quiz atacar o vazio com minha espingarda, porque só aí é que me lembrei de que estava armado, tive a impressão de topar com um vultoso animal que não era cabrito, nem bode, nem touro, muito menos um Búfalo, mas devia ter um pouco de tudo isso; seu aspecto era horrível. Nessa altura dos acontecimentos eu não fui para o lado dele, mas tive a impressão de que o bicho bufando e soltando fogo pelas narinas, veio por cima de mim.

Garanto para vocês que nunca fui medroso e jamais alma do outro mundo me espantaria, mas tremi que nem vara verde em dia muito ventoso. Não sei como transpus o portão e quando cheguei em casa, mais morto do que vivo, com as roupas sujas e rasgadas, sacola rebentada, meu pai e irmãos já tinham-se banhados e estavam folgadamente jantando, preocupados sim, com minha demora, mas nunca podiam imaginar que eu estivesse perdido um terreno por demais conhecido, com uma alma do outro mundo em forma bastante imaginativa.

Limeira outubro de 1975

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