OS POBRES CARENTES

Conto Francisco Piccirilo

O Professor Silvio Ramos, natural de Saramandari, no interior do Estado, foi eleito Prefeito Municipal num pleito realmente memorável, pois três dos / quatro prefeituráveis que tinham mais possibilidades de vencerem, foram derrotados. Foi uma surpresa a vitória do referido cidadão, que seria o lanterna. Qual foi a causa?

Silvio Ramos desde menino, quer na escola, no colégio e mesmo no normal, sempre demonstrou um interesse humano pela população menos favorecida, mais conhecida pelo trauma de “marginalizada” e com isso, desinteressadamente foi fazendo indiretamente sua campanha políticas, embora nunca tivesse participado de nada, nem mesmo durante sua fase escolar. Quando resolveu candidatar-se e, já pela primeira vez, a prefeito, sua plataforma continuou sendo a mesma, isto é, resolver o problema dos pobres, dos menos favorecidos, principalmente dos menores, das mães solteiras, acabando enfim, com a miséria do povo. Aceitava a pobreza, como um meio natural, assim como a riqueza, entretanto, não concordava com a miséria, a qual campeava em sua cidade. Cristo disse “Pobres sempre tereis”; mas miséria, não.

Saramandari era uma cidade pequena com seus três mil habitantes e uns cinco mil na zona rural. Grande município, sua maior fonte era a agricultura, mas infelizmente todos os municípios agrícolas são os mais pobres na arrecadação tributária. Os prefeitos sempre foram eleitos na base de um ajudar o outro, quando saiam, e sempre entre parentes mais próximos, mas ação mesmo, nada. A cidade continuava anos após anos pobre, devendo e sem arrecadação suficiente até para pagar os funcionários, os quais viviam com seus salários atrasados e com perspectiva nada sonhadora.

Se a cidade era pobre, seu parque agrícola temporário era rico, por isso constantemente atraia gente “boias frias” para o campo, porém, esse pessoal ficava na cidade após a safra, aumentando anualmente a população. Os fazendeiros? esses ficavam em todos os lugares, menos em suas propriedades, as quais eram dirigidas por administradores, geralmente incapazes.

Ouvindo ano após ano a mesma tese, uma vez que o Professor Silvio era muito popular entre os habitantes, quando se candidatou, mais por esportividade, o povo, anonimamente, o elegeu causando duas novidades; a derrota dos três possíveis vencedores e a vitória da possível lanterninha. A vitória pegou o professor de surpresa, pois ele mesmo não fez propaganda, mão mobilizou cabos eleitorais, não pixou paredes, árvores, postes. Sua campanha foi aquela de sempre:

—Se eu fosse prefeito acabaria com a miséria do povo; faria casas populares, creches para as crianças, ampararia as mães solteiras, acabaria enfim, com crianças marginalizadas!

Os eleitores resolveram acreditar nas palavras do Professor e assim votaram nele. Afinal, se ele não cumprisse nada, não modificaria a vida na cidade, pois os outros prometiam tanto e a miséria continuava, como patrimônio local. Cada votante tornou-se um cabo eleitoral voluntariamente. Un passava para o outro e assim sua eleição foi garantida.

Quando Silvio Ramos viu-se guindado, um frio correu pela sua espinha. Percebeu que sua campanha foi válida para o povo sofredor, porém, não estava preparado para tanto. Sua candidatura foi por esportividade, pois sabia que não seria eleito e, portanto, não programou nada, apenas falava, como todo o mundo fala, sem responsabilidade. O Coutinho não disse que cada brasileiro é um técnico de futebol! Se a campanha foi válida, Silvio percebeu que tinha obrigação moral de cumprir com suas palavras. Se ele só falasse, mas não candidatasse, é claro, não tinha nenhuma obrigação, mas agora a coisa era diferente. Os eleitores em particular e o povo em geral resolveram acreditar. Os outros candidatos sempre armavam assembleias; pagavam para cabos eleitorais; rojões; alto falantes; banda de músicas para alegrar o ambiente; gente pra bater palmas e gritar “já ganhou, já ganhou”; transporte de gente e outros artifícios que a gentarada gosta nas épocas de eleições, mas que tudo não passava de uma palhaçada.

Em compensação, quando um candidato ganhava, já se considerava descumprido das promessas e tratava de se reembolsar com despesas havidas e com isso a cidade ficava cada vez mais pobre.

O novo prefeito não teve despesas com a campanha, logo, não tinha obrigação de enganar o povo e com isso entre o final da campanha e sua posse, procurou estudar ponto por ponto seu programa governamental. Afinal, a cidade não era grande, embora o município o fosse, mas o município tinha poucas propriedades e os grandes fazendeiros nem ligavam para a crise do mesmo. Durante esse período o Professor Silvio foi a capital do Estado, da Uniao; procurou inteirar-se das possibilidades junto às Autoridades, Diretores Autárquicos, Câmara dos Deputados, Senado, enfim, fez um levantamento das possibilidades internas e externas. ~

Passados alguns meses no governo e estando tudo sob seu controle, o Prefeito começou a dar execução aos seus planos e para tanto convocou pessoalmente em seu gabinete o Vice-prefeito, o Presidente da Câmara de Vereadores, o Agente Fiscal do Estado, o Gerente do Banco, o Diretor do Colégio, o Presidente da Associação Comercial, Presidente do Sindicato Rural, os dirigentes dos Partidos, do Vigário, enfim todas as / autoridades consideradas e de influências com as quais pudesse trocar opiniões.

Iniciando suas palavras, após agradecer a presença de todos, foi expondo seus projetos com os seguintes argumentos:

—Prezados Senhores:- O problema do menor abandonado, da família carente, da mãe solteira e outras mazelas sociais, não é somente em nossa comunidade, mas é do Estado, do país e do mundo. Apelar aos governos Federal, estadual, não vai adiantar nada, embora eles nos mandem algumas verbas para esse fim. Contudo, para resolvemos o nosso problema gostaria de sugerir aos senhores e contar com a boa vontade de todos, para criarmos uma entidade oficial sob o nome de “FUNDAÇÃO SOCIAL E BEM-ESTAR DE SARAMANDARI”, composta por nós mesmos. Cada membro contribuirá com uma cota mensal. Através de Lei criarei um leve adicional nos tributos municipal, cujo dinheiro será depositado em carteira de poupança em nome da Fundação. Com os depósitos mensais, tributos, verbas governamental e rendas da poupança, dentro de dois anos teremos um valioso saldo, valor esse que sempre aumentado à medida que vamos depositando nossas contribuições. Por conta da Prefeitura nomearei uma Assistente Social e uma funcionária. Esta organizará um fichário dos menores e das famílias carentes e a outra encarregara-se à de visitar em toda a cidade os pobres e necessitados. O Gerente do Banco será o diretor gerente do dinheiro, isto é, o tesoureiro e cada um de nós seremos os fiscais na aplicação dos rendimentos e no comportamento dos beneficiados. Formaremos uma pequena Diretoria para legalização da Sociedade e teremos um grande Conselho Deliberativo formado por um representante de cada setor comunitário. A partir do terceiro ano comeríamos distribuir proporcionalmente aos necessitados, as rendas obtidas. Essas rendas, como disse, serão aumentadas porque também o capital será aumentado anualmente. Só distribuiremos a renda, sem mexer no capital. Acredito eu que, se cada família pobre, ou seja, uma viúva com filhos menores, uma mãe solteira, uma senhora que venha adotar a criança de outra mãe falecida receber um soldo necessário à sua manutenção, não precisará sair as ruas pedindo esmolas e muito menos deixar seus filhos crescerem marginalizados, aumentando assim os vadios, assaltantes e criminosos. Uma criança agora poderá parecer um encargo pesado, mas será mais barato no futuro. Ele vai ser um produtor e nunca um pistoleiro-consumidor. É claro que cada caso será julgado e apreciado pela Diretoria, conforme opinião da Assistente Social.

A essa altura, o Gerente do Banco pediu a palavra.

— Senhor Prefeito: o seu plano de- monstra uma grandiosidade imensa e estou de pleno acordo ser o tesoureiro. No entanto quero preveni-lo de que; estive trabalhando em uma determinada cidade e o Prefeito, com um plano muito menor do que o seu, acabou-se arrependendo porque, a população carente aumentou extraordinariamente com a vinda de famílias de outras regiões miseráveis em nosso país. Como V. Excia. resolverá esse problema?

—Foi muito bom o seu aparte. Aliás, todos os presentes façam também, afinal estamos aqui para um estudo social. Todavia, se hoje nossa população aumenta por causa do trabalho rural, tendo em vista que os fazendeiros não ficam com seus empregados extras, assinarei um decreto fechando a cidade, quero dizer, proibirei a entrada de novos migrantes durante meu mandato. Somente entrará pessoas que provém o motivo de sua vinda. Naturalmente o senhor Delegado de Polícia tomará as devidas providências em todas as entradas da cidade e os fazendeiros só poderão contratar pessoas residentes aqui ou responsabilizar-se-á pela vinda de novos boias frias, devolvendo-os à sua origem, tão logo termine a safra.

O Delegado compreendeu sua missão, fazendo sinal com a cabeça. Desnecessário dizer que todos apoiaram a iniciativa do Prefeito e uma Diretoria foi nome ada para cuidar dos estatutos e outros atos burocráticos para legalizar a “Fundação Social e do Bem-estar de Saramandari”.

Sem burocracia e agindo entre o cliente e a Fundação, quando o Professor Silvio estava terminando seu mandato, também a miséria estava reduzida. A partir do terceiro ano de mandato do Prefeito, como ele previra, um aspecto urbano e suburbano já se notava na cidade. Claro é que o Professor não quiz candidatar-se a reeleição, aceitou apenas a Vereança, prometendo voltar no outro quatriênio, se o povo assim o desejasse. Alegou o Professor, com muita razão, que preferia ver de fora analisar, como observador, o que fizera no período governamental. Em quatro anos não conseguira executar todo seu plano e nem poderia fazer, mas a cidade apresentava uma sensível melhora. Os recebimentos tributários estavam em dia o em dia estavam os funcionários e credores municipal.

As chamadas obras de grande porte, quer disser, as infraestruturas para suportar uma grande cidade em crescimento, não fora feito, a não ser os estudos e projetos para um futuro a médio e longo prazo. O importante para livrar a cidade de uma miséria crescente, foi executado. Esse foi o plano do Professor.

Silvio Ramos, Professor, natural de Saramandari, com trinta anos de idade, casado e pai de dois filhos, conseguiu cumprir em grande parte com o que ele sonhara e falara aos seus conterrâneos, desde os primórdios do grupo escolar. Os pobres foram beneficiados, como dissera Jesus aos enviados de Joao Batista e os ricos não foram sacrificados. Os planos de Silvio não eram de sistema comunista, os quais tiram do poderosos, para dar aos pobres, mas sim, foram traçados de baixo para cima. Nem o Governo Federal e muito menos o Estadual foram molestados. Tudo foi feito com sacrifício do povo em benefício do próprio povo. E é natural que as verbas dos governos, bem como dos legisladores foram recebidas e aplicadas pela Fundação Social.

Limeira agosto de 1989.