PAPAI, CONTA-ME UMA HISTÓRIA.

Conto Francisco Piccirilo

—Papai, conta uma história para

—Era uma vez…

—Papai, porque todas as histórias começam por “era uma vez?”

—Meu filho, todas elas têm esse começo. A minha também teve.

Sentado numa poltrona, José, pôs- se a meditar, enquanto acariciava no colo, seu filho de sete anos. Marcio, um garoto loiro, cujos cabelos formavam alguns cachinhos, era tratado carinhosamente por sua avó paterno, dona Marta, uma senhora de cinquenta e cinco anos. Sua mãe, mal ele havia completado três meses de idade, abandonou o lar para nunca mais voltar. Quando isso aconteceu foi para José, um golpe duro. Ficou sem mulher e ainda, com uma criança recém-nascida.

—Tinha trinta anos quando me casei com uma jovem de apenas dezesseis primaveras.

Vivendo em lugar pequeno, Rosa, mais conhecida em nossa intimidade por Rosinha, desfrutava de uma grande amizade em minha casa. Eu vivia com mamãe, pois fiquei órfão com apenas oito anos. Mamãe criou-me com grande dificuldade. Lavou roupas, serviu em muitas residências prestando os mais variados serviços para manter-se e criar-me. Vivendo aquela vida, temi casar-me até que um dia, Rosinha, filha de um casal muito pobre que residia algumas quadras distantes, despertou-minhas inclinações para o matrimônio.

Loira, alta, olhos azuis e corpo bem moldado, apresentava, além da beleza feminina, os característicos de uma mulher formada, não obstante sua pouca idade.

Não tinha a menor intenção para o casamento, repito, mas ouvindo sempre o convite da menina-moça, que mais falava por criancices, deixei-me levar pela união e num esplendido sábado de maio, entramos na pequena igreja da cidadezinha. Depois das cerimônias religiosas, sob os vivas dos amigos e parentes, saímos casados, para somente a morte nos separar.

Oh, trágica aventura já nos primeiros dias a vida tornou-se bem diferente. La se foi água abaixo todas as esperanças e felicidades. Percebi o abismo em que caíra. Agora, além de ser um homem bem mais velho, estava casado.

Serviria de seu pai e foi a razão da atitude que tomei controlando-me. Rosinha, entretanto, não compreendera sua missão de esposa e futura mãe, passando a criar dificuldades a família.

Embora nunca mais houvesse aquela alegria de outrora, quando a Menina vinha ajudar minha velha mãe e provocar em mim a tentação, uma certeza me alimentava; eu ia ser pai. Esse desejo aliado a esperança de que a jovem esposa melhorasse seu gênio, deram-me mais um pouco de coragem. Assim, aguardei ansiosamente o nascimento do fruto de uma união infeliz. Os últimos dias passaram-se com tantas dificuldades.

Março do ano seguinte chegara e com ele minha familia aumentou. Éramos agora quatro pessoas: mamãe, Rosinha, eu e Marcio. Para mim foi uma imensa alegria, todavia, reconheci que era uma suposta felicidade, pois notei, minha esposa não apreciou aquele evento. Deixei-me levar, contudo, pelo contentamento de ter um filho.

Maldita ilusão! A vinda do menino não melhorou o desajustamento familiar, pelo contrário, piorou. Ela olhava e tratava com indiferença aquele membro de suas estranhas. Mamãe sofria por ver-me sofrer; eu, duplamente, pois nunca quisera se casar, porque temia que algo de mal acontecesse.

Continuei minha missão ocultando aos olhos dos amigos, o drama infeliz de minha união conjugal. Fora de casa cumpria minhas obrigações social, trabalhista e religiosa; dentro, era um homem sem disposição, sem alegria, sem vida. Eles sabiam; liam em meus olhos; viam em minhas atitudes e, como poderia agir diferente? todos adivinhavam que mais cedo ou mais tarde as coisas seriam fatais.

Minha preocupação aumentava a medi da que os dias se sucediam, uma vez que a vinda de Marcio em nada melhorou os sentimentos da esposa. Suas lamentações transformaram-se em pragas, ameaças e blasfêmias. Três meses depois encontrei no berço da criança um bilhetinho que, lá conicamente, dizia o seguinte: ” José…Fique com seu filho! Eu ficarei com minha liberdade. Não me procure. Adeus! Rosinha”

Sofri novo golpe. Ela não precisava fazer isso, mas foi melhor assim. Senti-me mais aliviado. Mamãe, que na ocasião estava com quarenta e oito anos e destreinada para cuidar de crianças, sentiu novamente a pulsação de uma verdadeira mãe. Ela também se casara nova e ficara viúva com filho de oito anos, mas nunca desmerecera sua responsabilidade de mãe, esposa e mulher. Procurou compensar para Marcio, o que sua verdadeira não fez.

Durante estes sete anos nunca me faltou o conforto dos amigos e vizinhos. Minha vida passou a pertencer ao trabalho, oração e filho. No encerramento dos afazeres quotidiano, cuido de Marcio, enquanto mamãe termina os da casa.

“Esta história ele ia contar ao menino, mas como o garoto perguntou-lhe porque todas elas começam por “era uma vez”, contou-lhe outra bem diferente.”

Limeira setembro de 1964.