MARIA ANGELICA
Tenho 60 anos. Sou solteiro e nunca pretendi amar ninguém, isto é, quis amar uma jovem, mas sofri um grande desgosto.
Desde o raiar de minha mocidade trabalhei para uma grande casa atacadista de São Paulo. Como viajante, andei muito pelo interior paulista, inclusive por outros estados do país. Sempre gostei de viagens e por isso evitava apaixonar. Sabia que se fizesse isso, não teria mais tranquilidade em minhas andanças. Levar mulher e filhos seria impossível; deixá- los na capital, estaria sempre preocupado por esse sertão afora. Por isso evitei o amor. travei muitos conhecimentos, diverti-me muito, dançando, indo ao cinema e outros lugares, porém, sempre respeitei as famílias e sobretudo, as moças.
Já estava com meus 38 anos de idade, tinha um bocado de tempo na profissão, e continuava disposto às viagens. Minha zona era grande e devido a certas dificuldades, ficava até meses sem vir a São Paulo. Isso, entretanto não me aborrecia.
Nessa ocasião, a direção da firma resolveu ampliar o campo de atividade e admitiu diversos vendedores. Como o setor novo me era desconhecido e, modéstia à parte, era bom vendedor. sabia cativar a simpatia dos fregueses, a direção nomeou-me para explorar nova zona. Aceitei sem discussão pois, embora fosse perder nas vendas, ganharia oportunidade de conhecer novos horizontes. Parti imediatamente correr mundo era o meu fraco.
Em minha primeira saída, passei por cidades grandes, médias, pequenas, inclusive povoados. Em todas fui bem-sucedido, graças a Deus. Ao fazer a Pracinha de São Luís, travei tão boas relações, que um dos fregueses me convenceu a passar o dia seguinte no lugar e assistir à festa em louvor ao padroeiro. Fiquei, por questão psicológica. Antes não tivesse ficado. Pois foi um grande erro.
O dia amanheceu bonito. Todo o povo acorreu à igreja. Houve missa, leilão, rojões. À tarde, procissão de São Luís Gonzaga, o santo padroeiro da juventude. Nunca fui religioso, mas sempre respeitei a crença de todos.
Enquanto estava junto ao palanque de prendas, notei do outro lado a presença de uma moça bonita jovem. Francamente à primeira vista, ela me impressionou. não sei o que era, mas perturbou-me. Seria o cupido?
Durante o tempo que ali fiquei, só olhando para a moça e notei que também era correspondido. Ao final do leilão todos retiraram se, inclusive a pequena. Fui para a pensão, meditando o inédito acontecimento. A tarde após a procissão, voltei a vê-la e como não está acostumado a deixar dúvidas para trás, cheguei até à donzela. Morena, de olhos castanhos, cabelos bem pretos com duas tranças ao peito. Corpo bem contornado, seios salientes; seu nome, Maria Angélica. Travamos pequena conversa, depois ela retirou se e por incrível que pareça, fui também sem obter seu endereço.
Como não tinha interesse em amor, não fiz conta de nada, pois conheci muitas morenas, louras e até mais bonitas que Maria Angélica. Portanto, nada havia que temer. Puro
engano. Os olhos, cabelos, o rosto angelical, os seios, o corpo enfim de Maria Angelica, ficaram gravados em minha mente. Continuei a viagem ela me acompanhava.
Passou um ano. os negócios foram bons. A casa ficou satisfeita e também eu. Não perdi dinheiro e conheci novo setor do país e ainda mais, conheci Maria Angelica.
Ao fazer novamente a zona, procurei estar em São Luís, justamente na ocasião das festas religiosas. Permaneci no povoado e não vi a jovem. Não me dei por preocupado mesmo porque ainda fazia questão de não ligar ao amor. Era apenas um motivo para vê-la, nada mais. Entretanto, muita contra a gosto, retirei-me do lugar, continuando a visitar as demais praças.
Quando cheguei a capital, dei pela falta da moça. Reconheci que não era mais aquele de antes, pois notara que uma pequena chama de amor havia penetrado em meu coração. Aí interessou-me a ver a jovem que, talvez sem querer, havia ferido meu sentimento amoroso.
Iniciei nova jornada, mas entusiasmado. Até meus superiores estranharam. Conheciam- me alegre e disposto, pois agora meu aspecto era bem diferente: era de moço que ia enfrentar as maiores dificuldades para trazer em seus braços aquela que haveria de formar um lar feliz.
Saí, percorri as praças: grandes, médias, pequenas e na festa de São Luís, lá estava eu no pequeno povoado. Visitei os fregueses e ao Felisberto, autor do convite para ficar no lugar, dediquei especial atenção.
Para mim, parecia que o dia não amanhecia. Mas o relógio vencendo as horas fez o dia clarear, bonito e alegre. Os sinos da igreja repicavam chamando os fiéis e o povo. Crianças senhoras e velhos, todos iam à missa.
Acabada a cerimônia, muito foram embora, outros ficaram para o leilão. Enquanto eles se preocupavam com as prendas e os lances, a mim preocupava encontrar Maria Angélica. Meu coração pulsava, batia célere, parecia querer sair do peito e para contrariar meus desejos, não a encontrava. Os nervos engrossavam, minha preocupação aumentava. Saí do lugar, contornei o palanque, entrei na igreja, voltei à praça e nada ver a garota.
Esperei ansioso a tarde para a vê-la na procissão. Todos vieram, menos Maria Angelica. Enquanto o povo acompanhava as cerimônias cantando e rezando, eu ia de um lado para o outro como um atrapalhado. Estava impaciente, nervoso. Por fim Felisberto notou meu estado físico e interrogou-me.
–Parece-me que você está aflito, preocupado! aconteceu alguma coisa?
–Aconteceu, respondi secamente.
Nunca me preocupei com mulheres, porém, na primeira vez que fiquei aqui a convite seu, vi conversei ligeiramente com uma pequena que, a princípio não leguei. Mas depois fui embora, comecei a pensar, refletir e sentir os efeitos de um possível amor. O ano passado voltei aqui e não a vi, contudo não cheguei a preocupar-me, queria ter a certeza se de fato estava amando. Agora posso garantir que estou apaixonado. Vim até aqui para convidá- la a ser minha esposa, e não consigo achá-la.
O homem meditou um instante e depois pediu os traços da rapariga. Descrevi-a com todo ardor de um amante.
Respondeu-me rapidamente!
— Maria Angélica:
–Isso mesmo, é ela, onde está?
—Meu amigo, continuou Felisberto batendo-me suavemente no ombro. Vá até a igreja e reze uma prece se você crê, se não, vá até o cemitério e verá o túmulo dessa menina. Maria Angélica, morreu no outro dia de sua primeira visita. Se tivesse ficado mais um dia, teria acompanhado à sua última morada.
À medida que ia falando, aquilo entrando pelos meus ouvidos como se fosse uma punhalada. Em certo momento gritei, como um louco.
–Chega: não diga mais nada. Só faltava acontecer isso para mim. Conhecer uma garota que modificou o meu modo de pensar e agir, que me convenceu a ter um lar, que fez o que outras moças não fizeram e logo essa foi morrer.
A notícia fúnebre chocou-me dolorosamente. Tirei o lenço e procurei enxugar algumas furtivas lágrimas. Não era possível crer. Não me conformava com a notícia implacável de meu amigo Felisberto, o qual bondosamente procurava acalmar-me.
— Maria Angelica, continuou o homem era muito devota de São Luís Gonzaga, entretanto, há tempo estava doente, tendo piorado ultimamente. Na véspera da festa estava quase às últimas. Prometeu piedosamente ao Santo assistir os festejos e depois morrer. Por milagre ela melhorou e veio até aqui. Você conversou, mas não foi com ela e sim, com um anjo. Terminado a festa, explicar o Felisberto, sobre os cuidados dos pais que em nada a impedia, voltou para casa e a doença que havia contraído tornou a vitimá-la. Daí foi piorando, piorando, até clarear do dia quando então deu os últimos suspiros. Seu sepultamento foi à tarde e com grande acompanhamento, pois todo o povo conhecia seu estado.
Creiam-me, nunca rezei, mas saí dali e fui à igreja. Balbuciei alguma coisa, depois demandei ao cemitério e como ele era pequeno, foi fácil encontrar o túmulo. Na frente, um lindo retrato no qual parecia estar mais bonita e viva. Em baixo os dizeres “Aqui jaz Maria Angelica Bandeira. Falecida com 18 anos de idade. Saudades de seus pais, irmãos parentes.” Acrescentei, e minha também.
Ajoelhei e rezei não por ela, pois o Santos e anjos não precisam de orações, mas pedi por mim pobre pecador, que pela primeira vez na vida ao amar essa moça, fui logo começar com o impossível.
Continuei com as viagens, porém, nunca mais tive o mesmo entusiasmo. As vendas diminuíram até que seus superiores suspenderam minhas atividades. Aos cinquenta anos aposentei-me e continuo meditando em uma única mulher que moveu meu coração, que modificou meu pensar, que me despertou para outra vida, que, no entanto, não pude consegui-la.
Hoje, mais conformado e nesta solidão, aguardo minha morte, para que meu espírito encontre no outro mundo, o fruto do primeiro e o único amor que tive, a alma de Maria Angelica.
NOTA: Este conto foi premiado no Concurso Literário da “Casa de Cultura”, semana do Município 7 a 15 setembro de 1964.
Francisco Piccirilo
One response to “MARIA ANGELICA”
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