O PEQUENO FAZENDEIRO

Francisco Piccirillo

Pequeno sitiante na Lagoa Nova, Jurandir, homem simples, com seus sessenta anos mais ou menos, cabelos grisalhos, barba feita, estatura normal, foi a São Paulo fazer algumas compras para sua propriedade rural. Levou, como companheira de viagem sua esposa, pois ela nunca tinha ido a essa importante cidade.

Fizeram algumas andanças de taxi, ônibus, metro e mesmo a pé. Na Mooca, Jurandir encontrou uma casa comercial e ali resolveu fazer suas compras.
Enquanto negociava entrou no armazém e aproximou-se um senhor de estatura baixa, meio gordo, muito bem trajado, barba cerrada, devia ser da Capital e olhando Jurandir fazer seus negócios com o gerente, ficou entusiasmado e ansioso. A mulher de Jurandir vagava pela loja apreciando as mercadorias da casa.

Terminado os negócios, Jurandir pagou a vista o resultado de sua compra e quando ia saindo topou com Otavio que, pedindo licença perguntou-lhe.
—– Pelo que o senhor comprou, deve ser um agricultor.
—–É realmente sou. Com quem estou falando?

—–Otavio da Cruz, seu criado. Tenho uma fazenda no interior e gostaria de trocar algumas palavras sobre o gênero, se não atrapalho seus negócios.
Não me atrapalha em nada pois já fiz o que devia fazer, estava apenas me retirando. Com relação ao que o senhor deseja tenho até imenso prazer se estiver ao meu alcance. Chamo- me Jurandir da Silva e quando nasci, meus pais já eram agricultores. Onde o colega tem sua fazenda?

—-Em Limeira. Me disseram que as terras são muito boas.
—-Boas até demais inclusive o povo. Quantos alqueires tem sua fazenda? Talvez a gente até conheça ela, porque sou também de Limeira e ali todo o mundo se conhecem. —-Tenho Nove alqueires, mas no momento não me lembro muito bem o nome do bairro onde fica.
—-Tem Nove alqueires e diz ter uma fazenda? Jurandir ficou branco, pigarreou, deu uns passos meio tonteado, coçou a cabeça, afinal conseguiu equilibrar-se.
—-O Senhor está sentindo alguma coisa? Posso chamar um médico, ou levá-lo a um Prontos-socorros!
—-Não é nada, as vezes me dá uma tonturinha, mas é passageira. Quantos alqueires o colega me disse?
—-Nove Alqueires e o senhor? Pigarreando outra vez Jurandir respondeu.
—-Tenho Um sitiozinho de onze alqueires e minha propriedade fica no bairro Lagoa Nova.

E com isso ia retirando-se, mas Otávio interrompeu sua saída.
—-Senhor Jurandir, por favor, se o senhor tem onze alqueires e diz ter um sitiozinho, então estou fazendo um papel de bobo!
O agricultor limeirense percebeu até onde o peixe mordera a isca, mas, calmamente, declarou.
—-Não Diga isso, caro colega, tenho jeito de expressar as coisas ao meu modo, mas cada um diz o que quer dizer, não há nenhuma lei em contrário. O colega já cadastrou seu imóvel?

—-Ainda Não, aliás nem sei o que é isso, também não conheço minha propriedade. Comprei-a por intermédio de um corretor, indicado por um amigo.

Jurandir voltou a pigarrear, sua mulher até estranhou seu modo e disse ao marido. Vamos embora, Jurandir. A tarde deve estar fazendo-lhe mal.
Otávio voltou a perguntar-lhe.
—O Senhor está sentindo alguma coisa? Posso chamar um médico!

—É como falei; o clima aqui em São Paulo me provoca uma espécie de alergia. Mas como ia dizendo; comprar uma fazenda sem conhecê-la é um pouco arriscado, mesmo conhecendo, vê-la de perto, saber o que existe, se há rio, montes, barranco, garra-diabo etc., a gente não está escapo de comprar “gato por lebre”!

—Não se espante senhor Jurandir. É claro que ainda não paguei toda compra, mas já dei uma boa parcela e pretendo morar no interior e lidar com a lavoura.
—O colega não vai arrepender-se. Morar no interior e lidar com lavoura é a melhor coisa que a gente pode fazer pela saúde. Eu, como já disse, nasci num sítio, não conheço outra profissão; rico, não fiquei, mas criei meus filhos e continuo tocando o barco. Afinal, o colega não tem nenhuma ideia do que tem na propriedade? Hoje a melhor e a maior lavoura em Limeira é a laranja e com a instalação de fábrica de suco concentrado, a laranja vai indo de “vento em proa”.

—Se não me engano tem laranja nas minhas terras, mas já são um pouca idosa, mas segundo o vendedor, dá para negociar alguma coisa.
—Ótimo, caro colega, ótimo. Realmente a laranja é uma boa lavoura. Limeira já foi muito cafeeira, mas com a queda do café os agricultores partiram pela citricultura e além disso tem muitos viveiristas que capricham no trabalho de produzir excelentes mudas. Mas, como ia dizendo, se o colega ainda não cadastrou seu imóvel, quando cadastrá-lo não precisa ter acanhamento em dizer que tem uma fazenda de nove alqueires. Quando o Governo instituiu a “Semana da Terra” em 1966, foi adotado uma folha de papel que mais parecia com o “Estadão”, ali tem no começo o nome do proprietário depois o nome da propriedade e assim sucessivamente. Por isso o colega pode dar o nome da propriedade como Fazenda Santa Maria qualquer outro nome. É claro que os agricultores lá em Limeira consideram uma fazenda com mais de cem alqueires. Naquela época o Governo criou o IBRA-Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, com a finalidade de se saber quantas propriedades havia no Brasil. Ali tem toda espécie de perguntas e para ter-se uma ideia ou visão, o funcionário pergunta a um dono de meio alqueire, como ele transporta sua produção. Ora, em meio alqueire não se produz nada para vender, isto é, sua produção pode ser hortifrutigrangeira, mesmo assim em pequena quantidade. Geralmente o trabalhador mora nela e trabalha fora, mas o problema do cadastro é para qualquer propriedade desse imenso Brasil onde há terras em que correm rios, estradas de ferro, de rodagem dentro dela e assim por diante. Por isso o colega não precisa ficar assustado ou ofendido.VoltandoaquestãodoIBRAhojeelechama-seINCRA,masdátudonamesma. Através desse órgão o Governo cobra o chamado Imposto da Terra. Nessa época a vontade das Autoridades era reduzir o número de minifúndios, mas a coisa inverteu-se, hoje o próprio INCRA está estimulando o aumento do minifúndio, isto é, de pequenas propriedades para resolve a situação dos “sem terras”.

Otávio alegrava-se, mordia os beiços, enxugava seu suor, mas continuava ouvindo com muito interesse as palavras de Jurandir.
— Caro amigo, nem sei como agradecer suas informações e atrasar sua volta. Sua senhora deve até estar zangada comigo, mas, como ia dizendo, estou apo- sentado aqui em São Paulo, daí comprar essas terras, esse sítio ou chácara, sei lá com dizem os interioranos e mudar para lá. E ‘claro que não entendo nada de agricultura, mas só o fato de ter um sítio, construir uma bela casa com piscina e receber meus familiares e amigos, já será um grande conforto. O senhor não acha? Já está aposentado?

—Infelizmente ainda não. A aposentadoria do trabalhador rural é de sessenta e cinco anos, mas quanto ao seu desejo, caro colega, nem precisas terras serem boas. Há muitas glebas assim, mas voltando atrás, onde é mesmo que fica sua fazenda?
—O senhor me disse que seu sítio fica na Lagoa Nova e agora me lembro que meu terreno fica nesse bairro.

—Otávio, dê-me um abraço, além de sermos colegas, acredito que nós somos também vizinhos, porque ao lado do meu sítio foi vendida uma chácara de nove alqueires a um comprador de São Paulo, então tudo leva a crer que o caro colega é o comprador. E abraçando-se muito alegres e numa feliz cordialidade, despediram-se e Jurandir ainda terminou numa gozação

—Quando for a Limeira apareça lá no meu sitiooozinho!

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