Conto Francisco Piccirilo
—-O Tião morreu, foi logo dizendo o diabo do Zé Seco.
—–Morreu o Tião! respondi com ara espantada.
—–É seu João, continuou o informante, agora terá de tomar muito cuidado, porque ele prometeu que depois de morto, viria perseguir você, sua família e toda a geração. E balançando mostrou se preocupado com meu destino.
Pensando bem, Zé Seco tinha razão. Certo dia tive um atrito espiritual com o Sebastião. Tratava-se de coisas do outro mundo; de eternidade, enfim, assuntos ligados com o além.
Essa questão, sempre foi e continua sendo motivo de discussões, hipóteses, dúvidas, incertezas e uma infinidade de sinônimos, e podemos conjeturar, porém, afirmar com segurança, só mesmo depois de morto e isso para cada indivíduo, pois aquele que morre, jamais volta para provar a outra existência, isto é, céu, inferno e purgatório. E a conversa séria que tive com o Sebastião foi sobre esse misterioso problema além-túmulo.
Durante a violenta discussão, Zé Seco foi testemunha, entretanto, uma velha amizade transformou-se numa inimizade e nunca mais pude reconciliar com o saudoso Tião. No calor da briga, o Zé ficou entre a cruz e a espada; amigo dele e meu também cria porque ouvia falar, mas não entendia patavina alguma; ficou, embora não demonstrasse, desejoso que o Tião morresse, para ver se de fato, a alma dele vinha me atormentar.
Embora seja natural aos descrentes afirmarem que não creem, alguma coisa fica no subconsciente, isto é, qualquer coisinha do outro mundo permanece no íntimo das pessoas e era justamente isso que Zé Seco queria ver para acabar com suas dúvidas. Uma mudança haveria de alterar meu sistema de não crer.
Após a notícia fúnebre, passei o dia todo pensativo. Não sei ao certo se devido a morte, ou com o desenlace, sua alma passaria a perseguir-me. Fui ao enterro, despedi-me dos restos mortais jogando os três punhadinhos de terra; regressei calado e não comentei nada com ninguém, nem mesmo com o inseparável amigo Zé Seco. A notícia chocou-me profundamente. Uma preocupação invadira minha mente. Ele havia falecido sem que tivéssemos reconciliado de uma. discussão sem importância; a existência do outro mundo.
A morte é inexorável e não perdoa ninguém, creiamos ou não na outra vida, aliás, segundo Jesus Cristo, morrer é viver para a eternidade. E foi justamente esse problema o motivo da inútil discussão que tivemos.
Por algum tempo fiquei um pouco taciturno. Não era medo, mas sim, questão sentimentalista. Preocupa meu pensamento da briga e a inimizade que ficara para sempre. Por mim não haveria nada. O fato de crer ou não, em nada modificava o andamento da natureza. Poderia continuar descrendo, enquanto ele continuaria crendo. Porém, meu amigo não pensava assim; ou oito, ou oitenta. Preferiu romper a amizade e num ímpeto de violência, prometeu depois de morto, voltar a terra e mostrar que a alma era eterna.
—Pois bem, seu João, você não acredita na existência da alma; não acredita na ressureição; não quer acreditar mesmo. De hoje em diante, não seremos mais amigos, e quando morrer, vieei puxar suas pernas de seus descendentes.
Meus parentes nada tinham a ver com minha descrença. Quando a amizade, sabia do gênio dele, por isso ficamos inimigos, não por mim, mas por ele.
Passados alguns anos, nem mais me lembrava do falecido Tião. No entanto, certa noite de uma sexta feira, em dado momento acordei horrorizado, tive a impressão de ouvir uma gargalhada sarcástica em meu quarto. Vi um vulto ao pé da minha cama; quis gritar, mas a voz não saía; uma coisa sufocava a garganta e ouvi nova gargalhada cadavérica. Acendi a luz e o dito do estranho desapareceu.
Durante o resto daquela noite não mais dormi. De manha fui a igreja e mandei rezar uma missa pelo descanso eterno de meu velho amigo Sebastiao Vilas Reis, vulgo Tião.
Limeira, maio de 1967
One response to “A MORTE DE TIÃO”
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Adorei.
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