SECRETARIA E AMANTE
Conto Francisco Piccirillo
Em seu gabinete de trabalhos examinando diversas radiografias, Dr. José de Oliveira, com seus cinquenta anos de idade, baixo de estatura, cabeça acentuadamente escalvado, de óculos, recebeu Luís, noivo de Ivone, Secretária da Casa de Saúde “Dr. Oliveira”, o qual viera tirar algumas dúvidas.
O moço, muito tímido, demonstrava certo nervosismo, mas conseguiu perguntar.
—Dr. Oliveira, minha noiva despedida desta Casa e eu gostaria de saber o porquê. Afinal pretendo, quando me casar, mantê-la em casa. Entretanto, para mim é até interessante que ela continuasse aqui, pois o ambiente é muito bom e merece toda minha confiança. E levantar os olhos para o jovem e continuando a mudar de chapas no visor, ora era uma radiografia pulmonar, ora uma gástrica ou de fraturas, Dr. Oliveira respondeu.
— Moço, sua noiva não foi despedida, ela simplesmente solicitou demissão. Sendo assim, não posso segurar nenhum empregado e foi o que fiz.
— Mas ela declarou-me que houve um problema sério e os colegas jogaram-lhe a culpa, forçando-a a isso!
— Ah, as mulheres com seus argumentos! Realmente houve um caso perríssimo e as funcionárias são suspeitas, até que fique esclarecido o caso.
Entretanto, ninguém pediu demissão, somente ela, concluiu calmamente o Dr. José. Ivone era moça com seus vinte e dois anos de idade. Bonita, de cabelos castanhos, longos e crespos, cintura bem delgada, quadris largos, seios bem salientes. Exercia há uns três anos a função de Secretária da Casa de Saúde e gozava de toda confiança de seus patrões e colegas. Dr. José de Oliveira, um dos proprietários, era muito bom para com seus funcionários, porém, bastante enérgico. Honesto, trabalhador, especialistas em cirurgias, se preocupava muito com o tratamento e outras de doenças pertinentes. Casado, pai de três lindas filhas, morava ao lado do hospital. Seu socio Dr. Pero Vaz da Cunha, jovem ainda, não chegara aos trinta anos de idade, ora especialista em acidentes de trabalho, uma vez que a Casa de Saúde mantinha convênios com diversas indústrias onde os acidentes eram muito comuns, pela falta de segurança e outros dispositivos.
A Casa de Saúde, como o próprio nome diz, era uma casa grande, assobradada e adaptada para esse fim, mas como hospital era pequena e como funcionários e empregados mantinha um enfermeiro, o Mario; como Secretária a Ivone a cozinheira dona Laura, a lavadeira dona Alice e como quarteira e atendente, Beatriz, do fundo do prédio ficava em prédio menor, mas também assobradado, o laboratório de análise encima e, em embaixo sala de espera e velório.
A Rua Madame Bovari ficava o hospital, porém afastado do alinhamento da rua uns cinco metros, espaço suficiente para um veículo trazer doentes, pois os clientes a pé entravam por um espaçoso portão. Entrando pelo portão e virando à direita o cliente ora atendido pela Secretária de um lado na sala de espera e, do outro lado, pelo médico, no consultório. Seguindo em linha direta do portão havia uma pequena escada e esta correspondia com um corredor. entrada do mesmo ficavam os quartos um o dois à esquerda e direita, logo a seguir, a enfermaria masculina com seis leitos. Seguindo o corredor, logo adiante ficava a sala de cirurgia o em frente a essa, a sala de Secretaria e mais adiante ficava a sala de radiografia, consultório e o pequeno gabinete onde o Dr. Oliveira examinava os diagnósticos, bem como pesquisava, através de radiografias e outros processos, ou tratamentos que fazia aos seus clientes. Como o prédio era assobradado, na parte superior ficavam outros quartos e enfermaria feminina com seis leitos também.
Geralmente o Dr. Oliveira promovia cursos de enfermeiros e analistas, uma vez que escolas para isso era muito difícil numa cidade interiorana. O curso era a noite com aulas práticas e teorias, nas o Dr. Oliveira, com ser humano e mortal também foi, pelo estar, vítima dos seus próprios esforços vindos a sofrer um enfarte o qual nunca mais o deixou com saúde boa, falecendo precocemente, quando parecia vender saúde.
Qualquer doente internado ou não, tinha toda assistência necessária ao seu tratamento. Exames de escarros, urina, sangue, radioscopia, radiografia e outros atinentes às necessidades exigidas. O Dr. Oliveira fazia questão de manter tudo isso ali para que o doente não precisasse ir a outras plagas mesmo porque a cidade ali era pobre e o povo mais ainda. Tudo era feito com sacrifício.
Conforme dissemos adiante, o número de funcionários era pequeno, o suficiente para atender os pacientes internos e externos. Havia também um analista e seu ajudante de laboratório.
Decorrido certo tempo o enfermeiro Mário, muito esperto e atento ao menor detalhe de tudo o que ocorria no hospital, percebeu que quando o Dr. Pero se retirava do consultório, a Secretaria também desaparecia e passados alguns instantes, ambos apareciam. O desaparecimento não seria notado se houvesse substitutos, mas não havia e clientes ficavam a espora até que ambos retornassem. Mário começou a notar que o desaparecimento dos dois estavam ficando cada vez mais próximos nos dias da semana e sempre entre duas e quatro horas da tarde. E ‘claro que depois das nove horas o expediente da Casa era diminuto, mas Ivone e o Dr. Vaz desapareciam para encontros amorosos em quartos desocupados. Sua preocupação foi grande em relação aos colegas e seu patrão Dr. Oliveira, mesmo assim, arriscou levar ao conhecimento do Dr. Oliveira, pois o encontro do casal estava colocando moral da Casa de Saúde em jogo.
Certa manhã, quando o enfermeiro atendia o Dr. Oliveira em suas pesquisas e o Dr. Vaz da Cunha estava participando de um Congresso Médico na Capital, resolveu soltar a língua e colocar seu patrão ao par do que estava acontecendo. Podia continuar quieto, afinal a moça não era nada dele e o Dr. Pero, além de médico era proprietário e patrão de ambos, mas em relação só Dr. Oliveira, sua consciência perturbava-o.
Muito nervoso e com a voz trêmula foi falando.
—Dr., o senhor tem ciência do que está acontecendo nesta Casa de Saúde?
—Além de minha família, de meus clientes e de outros casos fora daqui nada mais sei! O que há de novo?
—Se o senhor permitir e não se ofender, poderei contar alguma coisa que venho notando já al- gum tempo.
Mário falava, mas tremia, gaguejava, ele que era um homem alto, magro, bem moreno, calmo e trabalhador.
—Pois você já está comprometido, se atrasou em me comunicar o que aconteceu ou está acontecendo.
—Você me conhece muito bem e há muito tempo e sabe que quando não estou em minha casa ou fora daqui, permaneço neste trabalho dia e noite!
Acontece que o Dr. José de Oliveira mantinha em sociedade, um hospital em outra cidade, daí estar fora periodicamente.
—-Pois bem Dr., não me leve a mal, mas desconfio e posso provar que o Dr. Pero e Ivone andam se encontrando em quartos desta casa, para atos amoroso. Não posso provar se realmente eles agem assim lá dentro, porque a porta permanece trancada, é claro.
—Quê!!! Você disse encontros amorosos sexuais dentro deste hospital!!!
—Por favor Dr é claro nunca entrei dentro do quarto, mas se não fosse para isso, o Dr. Cunha não resolveria seus problemas dentro da secretaria?
—A partir deste momento você fica responsável para elucidar o caso e o que faço com ambos, se for verdade?
—Ao Dr. Pero o senhor não fará nada, quanto a Ivone, essa deverá ser despedida. Poderá parecer ciúme de minha parte, mas o Dr. Van, além de médico sócio proprietário desta Casa, é chefe de familia o que não ficaria bem um escândalo desta natureza neste estabelecimento.
—Bem que o merecia, ainda mais por ser um médico o qual deveria dar aula de moral o mantê-la aqui dentro. De qualquer forma fique alerta o tome todas as providências que forem necessárias. Quanto a min não sei de nada e vou continuar em minhas pesquisas, concluiu o Dr. Oliveira.
Com esses poderes Mario foi gradualmente pondo todos os demais funcionários inclusive Luciana filha mais velha do Dr. Oliveira, no par do que estava acontecendo e os encontros continuavam se realizando.
A cada reunião a dois, a qual nunca foi possível qualquer pessoa penetrar no recinto do quarto, continuava acontecendo até que um dia, ali pelas três horas da tarde quando tudo parecia calmo, Mario percebeu que Ivone saíra da Secretaria para o quarto dois, um dos mais fáceis de ser pago. As relações entre ambos já estavam tão comuns que nem mesmo observavam o perigo a que estavam se expondo. O quarto dois ficava na frente da porta que dava para o corredor. A janela dava para um quintal onde a lavadeira estendia as roupas e a cozinheira, da cozinha, tinha também ampla visão. Mário, que auxiliava o Dr. Pero nesse instante, viu-o sair do consultório e se dirigir ao quarto dois.
Garantido de que estava certo do encontro do Dr. Vaz com Ivone no quarto visado, Mario avisou o Dr. Oliveira e mobilizou o pessoal. Na porta do corredor, descontraidamente ficou Luciana. Pelo corredor ficou Beatriz, fazendo faxina; pelo quintal, a lavadeira ia estendendo as roupas e recolhendo outras; na cozinha, cantarolando, como sempre fazia, dona Laura ajudava vigiar o quintal, isto é, a janela do quarto. Com jeito de que procurava uma ficha de cliente, Mario revirava o arquivo da Secretaria.
Nesse dia ou porque estava mais difícil ou as tramas melhor para ambos, somente ali pelas quatro horas o Dr. Pero saiu do recinto, mas deparou com Luciana na porta do corredor. Imediatamente voltou ao quarto fechando a porta. Naturalmente foi prevenir a amante. Voltando novamente para fora com um livro nas mãos se dirigiu à Luciana e procurou, com pretexto do livro desviar a moça. Esta, porém, que também lia um livro de estudo recusou o convite alegando que ali estava bem. Dr. Pero seguiu em frente, mas para fora do hospital, entrou pela porta do consultório e foi conversar distraidamente com seu colega. Ivone, noiva de um rapaz da cidade, rapaz de boa família e de boas intenções, toda aflita, chorando, estudava um jeito de sair pela janela, mas viu que dona Laura e dona Alice não saiam de seus postos e ainda na escadaria do laboratório, também Júlio, ajudante do analista, espionava. Ivone se mordia, chorava, protestava, tentava abrir a porta, mas Luciana não saia de seu lugar. E que explicação ela daria se existe pela janela?
Não podendo continuar escondida e não tendo ninguém para lhe ajudar, Ivone, com o maior despontamento saiu do quarto e se dirigiu à Secretaria encontrando antes com Beatriz no corredor e Mario, o qual na sua sala de trabalho, muito aflito, procurava una ficha de cliente devedor. Quando Ivone chegou o sentou-se em sua cadeira de trabalho, Mario, mais que depressa se dirigiu a ela.
—Faz mais de uma hora que procuro a ficha do Francisco Porto Feliz e não consigo encontrá-la. O Dr. Oliveira está ansioso pela demora o você não aparecia!
Ivone, demonstrando nervosismo, parecendo olhar, procurou a ficha, mas ou outro fichário, arquivo de clientes dispensados. Mario sabia disso.
Dr. Oliveira deixou passar as horas e ninguém interferiu nos assuntos de Ivone com o Dr. Pero. Cada um ficou ou sua posição de trabalho, apenas seriam testemunhas, para um caso mais difícil. Quando soou as seis horas da tarde, horário em que Ivone encerrava novo expediente, o Dr. Oliveira chamou-a e explicou sua decisão.
—Dona Ivone, há muito tempo que acompanho seus encontros com o Dr. Vas da Cunha em minha Casa de Saúde. Não sei o que faziam nesses encontros, apenas imagino, entretanto, para o bom nome desta Casa, a partir de amanhã a senhorita enta despedida de seu emprego, mediante uma demissão que vai bater agora, com um mês de antecedência. Assim a senhorita, fazendo isso evita menos escândalos neste hospital e estará saindo de sua livre as espontâneas vontades, sem nenhum problema com as leis trabalhistas, Compreendendo sua situação, Ivone se retirou, datilografou sua própria demissão entregando-a ao Dr. Oliveira.
—Amanhã a senhorita passará no escritório para receber seu pagamento e outros direitos, concluiu o Dr. Oliveira, mantendo sua calma, como se nada tivesse acontecido.
Ivone apresentou sua versão ao noivo, daí ele se dirigir ao Dr. Oliveira e o mesmo continuando na ignorância da verdade se conformou com o Dr. Oliveira. Ela, Ivone, pediu sua demissão.
31/05/1984 – Concurso de Contos São Bernado do Campo.